terça-feira, 13 de setembro de 2011

Capítulo 23

  •  Que estranho. Cá estou sem rumo e sem beira, para o que parece ser um julgamento de algo que não sei o que é. Agora querem que eu pergunte, quando me é instruído para não perguntar. O desejo de saber do que se trata é grande, mas não é prudente. A prudência por hora é o mais recomendado, e sendo assim, e se mandam que eu faça, devo obedecer, mesmo sabendo que é contraditório em minha lógica. Se me calo, morro, se pergunto, morro. Então morro de cabeça erguida e sem medo. E digo. Se me prende, é por que tens medo de mim. Tem-se medo é por que sou ameaça. Se for ameaça. Precisam saber como vim, se encontrei obstáculos, o que vim fazer, se sou enviado de alguém e se conheço determinada pessoa. Oras. Assim sendo, só o que posso dizer é que se querem saber de algo perguntem que responderei de coração aberto e peito erguido. Meu umbigo me arrasta. Minha cabeça me dirige. Mas minhas ordens são para indagar, então indagarei. Qual é a primeira pergunta?
Senti em todos que estavam em minha volta uma grande surpresa. Não esperavam por aquilo. Parecia ter me saído bem, e de verdade saí mesmo. O estranho era que ninguém se manifestava oralmente. Olhavam uns para os outros e pareciam se comunicar por telepatia. Alguns minutos de silêncio e o ser que estava em minha frente acenou de novo para o interprete, que de imediato se manifestou.
  • Como veio parar nesse lugar?
  • Vim por intermédio de um amigo, que de esperto já devia saber da existência desse ritual e me deixou a sorte um pouco atrás de onde me encontraram. Mas, também, se a verdade preza devo dizer que vim por que quis.
  • Você encontrou alguém nesse lugar antes de nós?
  • Não.
  • O que veio fazer aqui?
  • Agora é que são elas. Parece-me que essa comunidade é bem diferente de tudo que conheço. São pessoas estranhas que vejo, não sei dizer se são homens ou se são mulheres. São apenas pessoas e agem como tais. Vim, porque do lado de lá da fronteira, conheci alguém, ou alguns que eram bem assim mesmo. E que por sorte, se perderam nesse lugar. Ou estão aqui, ou estão já nas profundezas. São dois perdidos que procuravam o paraíso. Se acharam, não sei. Também nunca os vi de corpo e alma. Um outro, aquele, que mencionei primeiro, foi que me falou a respeito, e que me indicou esse caminho.
Então dei com o pensamento em outras coisas mais carnais. Ken estaria usando minha ingenuidade para descobrir os fatos? Alias, quem estaria fazendo isso? Esse chinês ardiloso estaria me queimando na fogueira? Mas, continuei.
  • Procuro mesmo é Ceres e Cleomar. Que procura o Paraíso perdido de Santa Conceição.
Meu interrogatório continuou com mais uma pergunta do meu interlocutor.
  • Você tem algum filho de sangue que sumiu em genitura?
Surpreendi-me com a pergunta. Agora querem até saber se tenho filhos. Respondi que não e nada mais comentei. E veio a derradeira e última.
  • Por certeza, se conhece alguém que conhece esse lugar, e se fez tudo direitinho para você chegar até aqui atrás desses tais, já ouviu falar de um tal Capitão do Tambor. Sabe dizer onde anda ele e o que tem feito?
  • Também digo por certeza é outro que não conheço como pessoa em carne. Mas, por ouvir dizer da boca do fulano, sei que é quem anda há muito tempo por entra e sai dessas cavernas que separam os dois mundos.
Com isso, todos se retiraram e eu fiquei ali sentado, parado, sem saber o que fazer. Reuniram-se em um outro local por longo período. Enquanto isso, eu tomava uma chuva fina no corpo. Limpava a minha pele do suor e a alma dos pensamentos. Frio não sentia, calor de forma alguma era empecilho. Apenas passei horas na garoa grossa, pensando em nada. Um vazio. Um tempo.
Voltaram na mesma formação de quando partiram. Parecia começar tudo de novo, mas agora era um desfecho final. O interprete se aproximou, pediu que eu ficasse-se em pé e em minha volta foi acessa uma fogueira. Algumas crianças seguravam feixes de lenha. Uns tocos grossos outros mais finos. O chefe da tribo fez um sinal com a cabeça, parecendo que era para eu entender que ele era quem mandava. A fogueira foi acesa. E nisso um outro interprete prosseguiu com o seu diálogo.
  • Caro não irmão de sangue ainda. Se suportar a dor do que vem poderá suportar coisa bem maior. Por isso, o que conto, a cada ponto se torna um fado maior conforme logo vai sentir na pele abrasante. Não se desespere. Se desejar sair, não esmoreça, pule o quanto antes para fora. Se tiver forças para continuar, encontrará o que veio procurar. Sendo sim ou não a resposta, ela se manifestará e sua dúvida será extirpada desse mundo e de qualquer outro mundo. Tem sempre que ter em mente que a cada resposta minha, assegura um conhecimento seu, e um fardo a mais para levar. Enquanto continuar em silêncio e imóvel, continuarei a falar e contar sobre coisas que nem pensa em existir. Tenha fé que alcançará o supremo degrau de cima. Meu nome é Eli, já estou aqui há mais tempo que você possa imaginar. Alias, tudo aqui é imaginação. Se quiser que sejamos índios seremos. Se quiser que sejamos pobres, seremos. Se quiser que sejamos anjos, seremos. O que somos de real não importa nada para você, pois, você é quem criou essa imagem. Quando vim parar aqui, demorei em acostumar e de imediato não me deixaram sair. Para a minha própria segurança. Hoje posso ir e vir, mas não me interesso mais pelas coisas mundanas e passo meus dias por essas bandas a refletir e tentar progredir. Difícil, pois o progresso só vem com a experiência. E como aqui tudo é perfeito, nada acontece, não posso ser testado. Outrora, você passa por esse teste.
Nesse instante as crianças em minha volta jogaram um bocado de lenha na fogueira. O calor aumentou um tantinho. Suportável. E continuou Eli...

Propaganda boca a boca, avise os amigos.
Toda terça-feira, um novo capítulo.

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