quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Capítulo 24


  • Ken é para você aquele que te jogou na fogueira, e de verdade te jogou mesmo. Aí está você. Mas para nós é quem prepara e traz novos viajantes que tenham algo a aprender. É mais do que amigo, é um guia dos caminhos que te trouxeram aqui. Passou por um portal mágico que só é aberto mediante algumas circunstâncias. Quem as controlam são os viajantes. Eles determinam se pode ou não ser aberto pela quantidade de virtudes que conduzem. Pelo fato da curiosidade ter impulsionado sua visita, quase que por isso mesmo te levou ao desastre. Pulou pelas costas do guardião, assim como Ceres e Cleomar. Mas em breve receberás dois convites. Aceitando trancará o seu destino. Por hora quero dizer que Ceres e Cleomar encontram-se em perfeito estado de harmonia. Isso necessariamente não como você imagina. Mas como é. E como não é com você, não te diz respeito e só com convite dos mesmos para participar. Quanto ao outro convite se tiver coragem aceite. Tens que voltar ao guardião e rever todas as suas posições diante do esqueleto da sabedoria. Mesmo aterrorizante é quando a lógica parece não existir e a intuição se manifesta ainda mais profundamente.
As crianças jogavam tanta lenha na fogueira que as labaredas já começavam a transpor a minha altura. O calor nesse momento era quase insuportável, mas ao invés de pensar em resistir, apenas me concentrava nas palavras de Eli e quando de vez em outra pensava em prosperidade apenas. Eli continuou...
  • Se sua coragem o segue e a razão fala mais alto em seu coração, basta dizer sim, que irá parar exatamente onde já deveria estar a muito tempo e nunca encarou pela forma que imagina. Fortunato ser da justiça o acompanhará e assegurará seu direito diante de qualquer atrocidade que você mesmo pode causar ao seu ser. Nada aqui é causado por outros. Apenas você controla seus pensamentos. Saiba pensar. Saberá viver. Assim como Ken que conta história como ninguém. Boa dádiva. Deseja continuar e se propor a enfrentar o guardião?
Nesse instante as chamas me agrediam tão violentamente que pensei em desistir. Ao pensar nisso as chamas aumentaram. Olhei para a minha pele a vi em carne. Deformada. Mas ainda tinha algumas forças para resistir. Estava enfraquecendo rapidamente e tinha poucas frações de segundo para decidir. E se disse-se sim e as chamas consumissem todo o meu corpo? E se disse-se não e fosse expurgado para o inferno? Quanto mais dúvidas eu tinha mais as chamas aumentavam. Senti-me forçado a dizer sim. Empurravam-me para fora da fogueira, mas eu resistia. Disse sim.
Ao dizer isso, meu corpo realmente se desintegrou em pó e me vi em outro lugar, parecia distante, mas bem iluminado. Uma sala repleta de luz com um altar no meio. De forma circular não haviam entradas nem saídas. Apenas gigantescas paredes de pedra a minha volta. Estava só e teria que enfrentar não sei quem e nem onde. O que fazer? Senti alguém se aproximando de mim. Olhei de relance e vi a imagem de um mateiro. Um homem de aparência rude. Com um traje cheio de panos que caiam aos pedaços, mas não eram farrapos. Olhou fixamente para mim e me dirigiu a palavra.
  • Venha até mim viajante, se tem coragem.
Obedeci, meio tremulo. Sabia que não era tempo para fraquezas. Tentei demonstrar coragem e audácia. Mas o que ouvi em seguida foi desconcertante.
  • Não adianta fingir nessa banda de cá. Nesse templo da sabedoria tudo se sabe. Nada se esconde. Tudo está pairando pelo ar. Basta saber como captar a mensagem para entender todo o universo. Venha até esse altar. A luz já quase está presente e é chegada a hora para a sua revelação. Tem-se coragem, veja a alma da caveira.
Dirigi-me ao centro do ambiente e pude observar que existia um crânio em tamanho natural de cristal postado no meio do altar. Uma fenda na superfície do teto deixava entrar um magnífico raio de luz. Fui instruído para tocar o crânio. Então era isso. Ele de fato existia. Pelo menos nesse mundo. Que interessante. Por isso ninguém o achava e não encontravam a entrada da caverna. As virtudes, isso sim faltava para os forasteiros. Um toque na cabeça brilhante. Incrível. Imagens holográficas apareciam em todas as direções. De todas as épocas, de todos os povos. Era o conhecimento supremo da humanidade. Nem adianta tentar explicar. Assim como Ken fez comigo, tenho que fazer com outros para mostrar essa verdade. Incrível. Admirado estava. E quanto mais eu pensava em Ken, mais imagens ao seu respeito apareciam. Notável amigo chinês de palavras longas e sensatas. Conseguiu o seu intuito. Realmente me fez vergada por essas bandas e inoculou em mim a fagulha da verdade. Essa sim é uma virtude de imenso poder. Agora eu entendia. De nada vale saber sobre Severino, Ceres, Cleomar, Darci, e todos os outros como Deorani, Eli, e muitos mais que nem nesta história estão. O que são, são. O que penso que são, não importa. Só atrapalha. Se tiver virtudes podem entrar pelo portal e estar exatamente aqui um dia também. Se não tem, azaro deles. Nada muda para mim. Alias, as palavras de Ken, sempre foram nesse sentido. Por isso me contou toda essa história. Mas entre o real e o impossível, ou melhor, dizendo, o imaginável, onde será que realmente estou? Aconteceu-se há muito tempo atrás, como posso estar aqui e ver de fato o que aconteceu como se fosse hoje, ou ontem? A realidade e o tempo não são coisas que andam paralelamente. Devem estar atreladas as nossas memórias, e se assim é, então, todo o tempo esta bem a minha frente, nesse exato momento. Basta saber como utilizar. Agora entendo, e não tenho a menor pretensão de passar esse conhecimento a vocês. Não adianta. É como o gosto de um doce exótico. Só sabe o sabor quem experimentou. Essa é a verdadeira experiência. Experimentem também um dia e transportem o portal se tiverem virtudes para isso. A maior de todas as lições que tive nessa história mirabolante de Ken é a razão de poder estar onde eu quiser para fazer o que bem entendo respeitando aqui as poucas leis que são postadas. Mas e quanto ao segundo convite. Ele acontecerá? Será que é real? Realidade? Isso tem a ver mais com o que quero do que com o que penso. Realidade é algo que se pode imaginar. Criar. Fantástico. Posso ter tudo que quero e tenho muito mais do que preciso.
Enquanto o raio de luz solar entrava pela fresta, meus pensamentos vagavam em milhões de informações e esclarecimentos. E com o passar de alguns segundos, a luz se deslocou e nada mais foi possível. Agora entendo porque Severino não fez questão de encontrar pessoas sumidas na caverna misteriosa. Já sabia e não queria interferir. Isso, não interferir. Proteger se preciso, mas não interferir ao meu gosto. Quando o feixe de luz se desfez, voltei para o centro da fogueira que queimava cada vez mais forte. Notei que estava mesmo a ponto de derreter. De surpresa, entre as labaredas vi a imagem de Ken. Ele dizia:
  • Honorável amigo de cuca quase fervendo. Hiiiiii... Se tiver mesmo o prazer de estar onde está, a dor não incomoda. O peso fica leve. Mas, se não tem, chiiiii... Vai estar com problemas. Queima que é mais fácil. Dissolve o que não presta e o combustível do sofrimento acaba. Quanto mais pensa, mais queima. Hiiiii... Desse jeito vai ter churrasquinho de honorável amigo de caneta magra agora servido no casamento de Ceres com Cleomar. Linda festa vai acontecer. Tem que estar lá. O convite já está feito. Tente que consegue. Mas antes purifica a alma, aproveita o fogo que tanto forja como queima.
Com essas palavras, sua imagem se desfez. E com isso entendi perfeitamente o que quis dizer. Inclusive sobre o casamento. Então é isso, separar as virtudes dos meus defeitos. Isso faz sofrer. Mas tem que ser extirpado. Assim o fiz em pensamentos que me conduziram a uma purificação de estrema coragem. Sentia-me cada vez mais leve e a fogueira, por mais lenha que as crianças jogavam, não queimavam mais com tanta energia. Foi assim até sumir a última brasa. Andei por cima do carvão apagado. De pés descalços. Parecia flutuar. O vento levava as cinzas ao longe. Parecendo querer encontrar outro para reacender. Fui em direção a Eli que me aguardava em outro lado da pequena praça. Estava tudo decorado e uma grande festa seria realizada. Sim, o casamento dos dois. E tive o privilégio de assistir. Entraram por um lugar que parecia ser uma rua estreita de mãos dadas. Agora sim, distinguia os sexos de ambos. Ele com uma camisa azul e uma calça também azul clara e ela de vestido branco, liso, sem renda ou apetrechos, mas de uma singular beleza. Do que posso contar é que de fato se casaram. E juraram a eterna castidade entre ambos. Se um dia tiverem um filho, esse com certeza se chamará Aguimar. Realizada a cerimônia, a grande festa começou. E para meu espanto, estava sendo consagrado nessa festa como irmão do povo Caparaó, como muitos querem entender. Pensei que seria convidado a ficar e me estabelecer. Mas ao contrário disso, apenas adormeci em um canto quando minhas energias já se faziam amenas.


Dia no nascimento



Em que dia, em que tempo, em que lugar afinal. Pela janela apenas nuvens. Sons e mensagens invadem minhas memórias. Ontem estava tão bem, mas hoje... Pensando melhor, vejo que ontem já passou e que a perspectiva do amanhã me trás a sensação de que poderei estar bem melhor do que hoje... Afinal...


Fim da novela.... gostou? Fique atento, será que vai ter mais?

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